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Arquiteturas de Deep Learning: Como as Contribuições de Hinton, LeCun e Bengio Explicam o Funcionamento do ChatGPT

Prof. Me. Ivan Prizon

Prof. Me. Ivan Prizon

20 Abr 2024

18 min de leitura 342 visualizações
Representação de redes neurais profundas

Representação visual de arquiteturas de deep learning que fundamentam modelos como o ChatGPT

Resumo

Este artigo explora como as contribuições fundamentais de Geoffrey Hinton, Yann LeCun e Yoshua Bengio no campo do deep learning estabeleceram as bases para o desenvolvimento de modelos de linguagem como o ChatGPT. Analisamos as arquiteturas neurais que permitem o aprendizado de padrões linguísticos complexos e explicamos por que esses modelos podem gerar tanto respostas precisas quanto alucinações. Compreender esses fundamentos teóricos é essencial para utilizar o ChatGPT de forma eficaz e crítica no contexto acadêmico.

Introdução

A revolução do deep learning transformou radicalmente o campo da inteligência artificial nas últimas décadas. No centro dessa revolução estão três pesquisadores frequentemente chamados de "padrinhos da IA": Geoffrey Hinton, Yann LeCun e Yoshua Bengio, laureados com o Prêmio Turing em 2018 por suas contribuições fundamentais para o avanço das redes neurais profundas.

Suas inovações teóricas e técnicas estabeleceram as bases para o desenvolvimento de modelos de linguagem de grande escala como o ChatGPT, que demonstram capacidades impressionantes de compreensão e geração de texto. Entretanto, para utilizar essas ferramentas de forma eficaz no contexto acadêmico, é crucial compreender os princípios fundamentais que governam seu funcionamento.

Este artigo explora como as arquiteturas de deep learning desenvolvidas por Hinton, LeCun e Bengio permitem que o ChatGPT "aprenda" padrões linguísticos complexos. Também analisamos por que esses modelos podem gerar tanto respostas precisas e coerentes quanto "alucinações" - informações fabricadas apresentadas como fatos. Essa compreensão é essencial para estabelecer expectativas realistas sobre o que o ChatGPT pode e não pode fazer no contexto da pesquisa e produção acadêmica.

As Contribuições Fundamentais dos Padrinhos da IA

Geoffrey Hinton: Backpropagation e Redes Neurais Profundas

Geoffrey Hinton

Geoffrey Hinton é frequentemente chamado de "padrinho das redes neurais profundas". Sua contribuição mais significativa foi popularizar o algoritmo de backpropagation (retropropagação), que permite o treinamento eficiente de redes neurais com múltiplas camadas. Antes desse avanço, não havia métodos práticos para treinar redes profundas.

Hinton também desenvolveu as Restricted Boltzmann Machines (RBMs) e Deep Belief Networks, que permitiram o pré-treinamento de redes profundas camada por camada. Essa abordagem ajudou a superar o problema do desaparecimento do gradiente, que anteriormente limitava a profundidade das redes neurais.

Suas pesquisas sobre representações distribuídas e embeddings estabeleceram como as redes neurais podem aprender representações compactas e significativas de dados complexos, um princípio fundamental para o processamento de linguagem natural.

Yann LeCun: Redes Neurais Convolucionais

Yann LeCun

Yann LeCun é o principal arquiteto das Redes Neurais Convolucionais (CNNs), que revolucionaram o processamento de imagens e, posteriormente, influenciaram o processamento de sequências como texto. Sua arquitetura LeNet, desenvolvida na década de 1990, estabeleceu os princípios fundamentais das CNNs modernas.

As CNNs introduzem conceitos cruciais como compartilhamento de parâmetros, invariância à translação e hierarquia de características, que permitem que as redes aprendam padrões cada vez mais abstratos e complexos nos dados.

Embora inicialmente aplicadas à visão computacional, as ideias de LeCun sobre processamento hierárquico e localidade influenciaram significativamente as arquiteturas de processamento de linguagem natural, incluindo os transformers que fundamentam o ChatGPT.

Yoshua Bengio: Redes Neurais Recorrentes e Atenção

Yoshua Bengio

Yoshua Bengio fez contribuições fundamentais para o processamento de sequências e linguagem natural. Seu trabalho pioneiro em Redes Neurais Recorrentes (RNNs) e, posteriormente, em mecanismos de atenção, estabeleceu as bases para os modelos de linguagem modernos.

Bengio introduziu o conceito de word embeddings, representações vetoriais de palavras que capturam relações semânticas. Seu trabalho em modelos de linguagem neurais demonstrou que as redes poderiam aprender a probabilidade de sequências de palavras, um princípio fundamental para modelos como o ChatGPT.

Suas pesquisas sobre aprendizado de representações e transferência de conhecimento influenciaram diretamente o desenvolvimento de arquiteturas como BERT e GPT, que utilizam pré-treinamento em grandes corpora de texto seguido de fine-tuning para tarefas específicas.

Como o ChatGPT "Aprende" Padrões Linguísticos

Arquitetura Transformer: A Revolução da Atenção

O ChatGPT é baseado na arquitetura Transformer, introduzida no artigo "Attention is All You Need" (2017). Embora não tenha sido diretamente desenvolvida por Hinton, LeCun ou Bengio, esta arquitetura incorpora e expande muitos dos princípios que eles estabeleceram.

O componente central do Transformer é o mecanismo de atenção, que permite ao modelo "focar" em diferentes partes da entrada ao gerar cada elemento da saída. Isso representa uma evolução significativa em relação às RNNs tradicionais, que processavam texto sequencialmente e sofriam com o problema de dependências de longo alcance.

Arquitetura Transformer

Arquitetura Transformer com mecanismo de atenção multi-cabeça que fundamenta modelos como o GPT

Aprendizado Auto-Supervisionado

O ChatGPT é treinado através de aprendizado auto-supervisionado, um conceito que Bengio ajudou a desenvolver. Nessa abordagem, o modelo aprende a prever partes do próprio texto, sem necessidade de rótulos externos.

Especificamente, o GPT (Generative Pre-trained Transformer) é treinado para prever a próxima palavra em uma sequência, dado o contexto anterior. Esse objetivo aparentemente simples força o modelo a aprender representações ricas da linguagem, incluindo gramática, fatos do mundo real, raciocínio lógico e até mesmo algumas capacidades de resolução de problemas.

Representações Distribuídas e Embeddings

Seguindo os princípios estabelecidos por Hinton e Bengio, o ChatGPT utiliza representações distribuídas para palavras e conceitos. Cada token (palavra ou subpalavra) é representado como um vetor denso em um espaço de alta dimensão, onde a proximidade entre vetores indica similaridade semântica.

Essas representações não são estáticas: elas são contextuais e mudam dependendo do contexto em que a palavra aparece. Isso permite que o modelo capture nuances de significado, ambiguidades e até mesmo analogias complexas.

Aprendizado Hierárquico de Características

Assim como as CNNs de LeCun aprendem hierarquias de características visuais, o ChatGPT aprende hierarquias de padrões linguísticos. As camadas inferiores capturam padrões sintáticos básicos, enquanto as camadas superiores representam conceitos semânticos mais abstratos e relações complexas entre ideias.

Esta organização hierárquica, inspirada nos princípios estabelecidos pelos três pesquisadores, permite que o modelo compreenda tanto a estrutura superficial quanto o significado profundo do texto.

Entre a Precisão e a Alucinação: Explicando o Comportamento do ChatGPT

Por Que o ChatGPT Pode Ser Preciso

A capacidade do ChatGPT de gerar respostas precisas deriva diretamente dos princípios estabelecidos por Hinton, LeCun e Bengio:

  • Memorização eficiente: As representações distribuídas de Hinton permitem que o modelo memorize eficientemente grandes quantidades de informações factuais presentes nos dados de treinamento.
  • Reconhecimento de padrões: Inspirado nas CNNs de LeCun, o modelo pode identificar padrões linguísticos que indicam informações factuais confiáveis.
  • Compreensão contextual: Os mecanismos de atenção, influenciados pelo trabalho de Bengio, permitem que o modelo integre informações de todo o contexto da conversa para gerar respostas coerentes.
  • Generalização: O modelo pode generalizar conhecimentos para responder perguntas que não viu exatamente durante o treinamento, aplicando princípios aprendidos em contextos similares.

Por Que o ChatGPT Pode Alucinar

As alucinações - informações fabricadas apresentadas como fatos - também podem ser explicadas pelos mesmos princípios fundamentais:

  • Objetivo de treinamento: O modelo é treinado para gerar texto plausível, não necessariamente verdadeiro. Como Bengio observou, o aprendizado auto-supervisionado captura correlações estatísticas, não causalidade ou verdade.
  • Representações aproximadas: As representações distribuídas de Hinton são poderosas, mas aproximadas. O modelo pode misturar informações relacionadas, especialmente em domínios onde os dados de treinamento são esparsos.
  • Viés para completude: Seguindo os princípios de processamento de informação estabelecidos por esses pesquisadores, o modelo tende a "preencher lacunas" quando tem informações incompletas, às vezes inventando detalhes para criar uma narrativa coerente.
  • Falta de modelo do mundo: Como LeCun frequentemente enfatiza, esses modelos carecem de um verdadeiro "modelo do mundo" e aprendizado causal, limitando sua capacidade de verificar a plausibilidade factual de suas próprias saídas.

O Paradoxo da Confiança

Um fenômeno interessante, que pode ser explicado pelos princípios de Hinton sobre representações distribuídas, é que o ChatGPT frequentemente expressa alta confiança em suas alucinações. Isso ocorre porque o modelo não distingue claramente entre informações que "memorizou" com precisão e padrões que "reconstruiu" de forma imprecisa. Ambos os tipos de informação são representados de maneira similar em seu espaço latente, levando a uma incapacidade fundamental de "saber o que não sabe".

Implicações para o Uso Acadêmico do ChatGPT

Compreender as arquiteturas de deep learning que fundamentam o ChatGPT tem implicações diretas para seu uso no contexto acadêmico:

Estratégias para Maximizar a Precisão

Baseando-se nos princípios estabelecidos por Hinton, LeCun e Bengio, podemos desenvolver estratégias para obter respostas mais precisas:

  • Fornecer contexto rico: Os mecanismos de atenção funcionam melhor com mais contexto relevante.
  • Solicitar raciocínio passo a passo: Isso aproveita a capacidade do modelo de seguir cadeias lógicas, reduzindo erros.
  • Usar prompts que ativem conhecimentos bem estabelecidos: O modelo é mais preciso em domínios bem representados nos dados de treinamento.
  • Verificar informações críticas: Reconhecer que, apesar da sofisticação das arquiteturas neurais, o modelo não tem acesso a informações além de seu treinamento.

Limitações Fundamentais

As arquiteturas atuais, mesmo incorporando as brilhantes ideias de Hinton, LeCun e Bengio, apresentam limitações fundamentais para o trabalho acadêmico:

  • Ausência de compreensão causal: Como Bengio frequentemente enfatiza, esses modelos capturam correlações, não causalidade.
  • Falta de atualização contínua: O conhecimento do modelo é limitado ao período de treinamento.
  • Incapacidade de verificação empírica: O modelo não pode realizar experimentos ou observações do mundo real.
  • Viés para plausibilidade sobre precisão: Seguindo os princípios de minimização de energia de Hinton, o modelo favorece respostas que "soam bem" sobre respostas precisas quando há incerteza.

Conclusão

As contribuições fundamentais de Geoffrey Hinton, Yann LeCun e Yoshua Bengio estabeleceram as bases teóricas e técnicas que tornaram possível o desenvolvimento de modelos como o ChatGPT. Compreender essas arquiteturas de deep learning nos permite apreciar tanto as notáveis capacidades quanto as limitações inerentes desses sistemas.

O ChatGPT representa um avanço significativo na aplicação dos princípios de representações distribuídas, aprendizado hierárquico e processamento contextual. No entanto, como os próprios "padrinhos da IA" frequentemente enfatizam, esses modelos ainda estão longe de alcançar uma verdadeira compreensão do mundo ou raciocínio causal robusto.

Para o pesquisador ou estudante que busca utilizar o ChatGPT como ferramenta acadêmica, este conhecimento é valioso: permite estabelecer expectativas realistas, desenvolver estratégias eficazes de interação e manter uma postura crítica apropriada. O ChatGPT pode ser um assistente poderoso para o trabalho acadêmico, mas seu uso eficaz requer uma compreensão de suas capacidades e limitações fundamentais - compreensão esta que é iluminada pelas contribuições seminais de Hinton, LeCun e Bengio.

À medida que essas arquiteturas continuam a evoluir, informadas pelos princípios estabelecidos por esses pioneiros, podemos esperar modelos que abordem algumas das limitações atuais. No entanto, como LeCun e Bengio frequentemente argumentam, avanços fundamentais em direção a uma IA mais robusta e confiável provavelmente exigirão novas arquiteturas que incorporem aprendizado causal, raciocínio simbólico e modelos do mundo mais sofisticados.

Referências Bibliográficas

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  • LeCun, Y. (2022). A path towards autonomous machine intelligence. OpenReview.

Sobre o Autor

Prof. Me. Ivan Prizon

Prof. Me. Ivan Prizon

Economista pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutorando em Política de Inovação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ex-pesquisador no Observatório da Indústria na Federação da Indústria do Estado do Paraná e ex-Economista na Secretaria da Fazenda, na Receita Estadual do Paraná.

Atualmente é Pesquisador Chefe e Diretor de Novos Negócios na Rede Integrare de Pesquisa e Análise e Estrategista de Marca e Negócios na Agência Integrare. Desenvolve projetos paralelos de Inteligência Artificial, Metodologia Científica e Inovação, entre eles o Instituto de Criação e Inovação (ICI) que fomenta e desenvolve trabalhos na área de Inovação, IA e Design Thinking.

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