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Fundamentos Computacionais: Princípios de Turing e Shannon aplicados ao ChatGPT

Prof. Me. Ivan Prizon

Prof. Me. Ivan Prizon

Publicado em 05 de abril de 2025 • 15 min de leitura

Representação visual dos princípios de Turing e Shannon aplicados a modelos de linguagem

Representação visual dos princípios de Turing e Shannon aplicados a modelos de linguagem

Resumo

Este artigo explora como os princípios fundamentais estabelecidos por Alan Turing e Claude Shannon fornecem a base teórica para compreender as capacidades e limitações dos modelos de linguagem como o ChatGPT. Ao examinar a computabilidade, a máquina de Turing, a teoria da informação e o conceito de entropia, estabelecemos expectativas realistas sobre o que essas tecnologias podem e não podem realizar no contexto acadêmico e de pesquisa.

Introdução

A inteligência artificial generativa, exemplificada por modelos como o ChatGPT, revolucionou a forma como interagimos com a tecnologia e processamos informações. No entanto, para utilizar essas ferramentas de maneira eficaz no ambiente acadêmico, é fundamental compreender os princípios computacionais que definem suas capacidades e limitações intrínsecas.

Este artigo examina como os trabalhos seminais de Alan Turing sobre computabilidade e Claude Shannon sobre teoria da informação estabelecem o arcabouço teórico que permite compreender o funcionamento, potencial e restrições dos grandes modelos de linguagem (LLMs). Ao explorar esses fundamentos, pesquisadores e estudantes podem desenvolver expectativas realistas e estratégias eficazes para incorporar essas ferramentas em seus trabalhos acadêmicos.

Os Princípios de Alan Turing

A Máquina de Turing e a Computabilidade

Em 1936, Alan Turing introduziu o conceito da "Máquina de Turing" em seu artigo "On Computable Numbers, with an Application to the Entscheidungsproblem". Este modelo teórico estabeleceu as bases da ciência da computação moderna ao definir formalmente o que significa para um problema ser "computável" – ou seja, solucionável por um algoritmo.

A Máquina de Turing consiste em:

  • Uma fita infinita dividida em células, cada uma contendo um símbolo
  • Um cabeçote que pode ler e escrever símbolos na fita
  • Um registro de estado que armazena o estado atual da máquina
  • Uma tabela de instruções (o programa) que dita as ações da máquina

Este modelo simples mas poderoso estabeleceu que qualquer algoritmo pode ser expresso como uma Máquina de Turing, levando ao conceito de "Máquina Universal de Turing" – uma máquina capaz de simular qualquer outra Máquina de Turing. Este conceito é a base teórica para os computadores modernos e, por extensão, para os modelos de linguagem como o ChatGPT.

O Teste de Turing e a Inteligência Artificial

Em 1950, Turing propôs o que ficou conhecido como "Teste de Turing" em seu artigo "Computing Machinery and Intelligence". O teste sugere que uma máquina poderia ser considerada "inteligente" se conseguisse enganar um avaliador humano, fazendo-o acreditar que está conversando com outro humano.

Este teste estabeleceu um paradigma importante para a avaliação da inteligência artificial, focando na capacidade de simular comportamento linguístico humano – exatamente o que modelos como o ChatGPT buscam realizar. No entanto, Turing também reconheceu as limitações fundamentais da computação, incluindo:

  • O problema da parada (Halting Problem): Turing provou que não existe um algoritmo geral que possa determinar se qualquer programa eventualmente terminará ou continuará indefinidamente
  • Problemas não computáveis: Existem problemas que nenhum algoritmo pode resolver

Estas limitações teóricas têm implicações diretas para os modelos de linguagem contemporâneos.

Os Princípios de Claude Shannon

Teoria da Informação e Entropia

Em 1948, Claude Shannon publicou "A Mathematical Theory of Communication", estabelecendo a teoria da informação moderna. Shannon introduziu o conceito de "entropia" como uma medida da incerteza ou aleatoriedade em um sistema de comunicação.

A entropia de Shannon quantifica a quantidade de informação contida em uma mensagem e estabelece limites fundamentais para a compressão e transmissão de dados. Para uma variável aleatória X com possíveis valores {x₁, x₂, ..., xₙ} e probabilidades associadas{p₁, p₂, ..., pₙ}, a entropia H(X) é definida como:

H(X) = -∑ pᵢ log₂(pᵢ)

Esta fórmula estabelece que a informação é inversamente proporcional à probabilidade: eventos raros carregam mais informação que eventos comuns. Este princípio é fundamental para entender como os modelos de linguagem processam e geram texto.

Canais de Comunicação e Ruído

Shannon também formalizou o conceito de "canal de comunicação" e como o ruído afeta a transmissão de informações. Ele estabeleceu o "teorema da codificação de canal ruidoso", que define a capacidade máxima de informação que pode ser transmitida através de um canal com ruído.

Estes conceitos são diretamente aplicáveis aos modelos de linguagem, que podem ser vistos como canais de comunicação que transformam prompts (entradas) em respostas (saídas), com vários tipos de "ruído" afetando a qualidade da informação processada e gerada.

Aplicação aos Modelos de Linguagem

Arquitetura e Funcionamento do ChatGPT

O ChatGPT e outros modelos de linguagem grandes (LLMs) são implementações de redes neurais baseadas na arquitetura Transformer, introduzida em 2017. Estes modelos são treinados em vastos corpora de texto para prever a próxima palavra em uma sequência, dado o contexto anterior.

Do ponto de vista da teoria da informação de Shannon, os LLMs aprendem a distribuição de probabilidade P(token|contexto) – a probabilidade de cada token (palavra ou parte de palavra) dado o contexto anterior. Durante a geração de texto, o modelo seleciona tokens com base nessas probabilidades, potencialmente introduzindo aleatoriedade controlada (temperatura) para balancear previsibilidade e criatividade.

Esta abordagem probabilística significa que os LLMs não "entendem" o texto no sentido humano, mas capturam padrões estatísticos complexos que permitem simular compreensão e geração de linguagem coerente.

Capacidades à Luz dos Princípios Fundamentais

Os princípios de Turing e Shannon nos ajudam a compreender o que os LLMs como o ChatGPT podem fazer excepcionalmente bem:

  • Processamento de padrões estatísticos: Identificar e reproduzir padrões linguísticos complexos
  • Geração de texto coerente: Produzir sequências de texto que seguem as distribuições probabilísticas aprendidas
  • Adaptação contextual: Ajustar respostas com base no contexto fornecido
  • Simulação de conhecimento: Reproduzir informações presentes nos dados de treinamento

Estas capacidades tornam os LLMs ferramentas poderosas para tarefas como redação assistida, brainstorming, resumo de informações e explicação de conceitos complexos.

Limitações Fundamentais

Igualmente importante é compreender as limitações fundamentais dos LLMs, muitas das quais derivam diretamente dos princípios de Turing e Shannon:

  • Ausência de compreensão semântica: Os LLMs não "entendem" o significado do texto no sentido humano; eles manipulam símbolos baseados em padrões estatísticos
  • Limitações de conhecimento: O conhecimento é limitado aos dados de treinamento e não há acesso a informações posteriores à data de corte do treinamento
  • Alucinações: Geração de informações falsas mas plausíveis, resultado da natureza probabilística do modelo
  • Ausência de consciência: Não possuem estados mentais, intenções ou consciência
  • Limitações computacionais: Estão sujeitos às limitações fundamentais da computabilidade identificadas por Turing

Estas limitações são intrínsecas à natureza dos LLMs e não podem ser completamente eliminadas apenas com mais dados ou parâmetros. Elas estabelecem fronteiras fundamentais para o que podemos esperar dessas tecnologias.

Expectativas Realistas para o Uso Acadêmico

O Que o ChatGPT Pode Fazer

Compreendendo os fundamentos computacionais, podemos estabelecer expectativas realistas sobre como o ChatGPT pode auxiliar no trabalho acadêmico:

  • Assistência na redação: Ajudar a estruturar e refinar textos acadêmicos
  • Brainstorming: Gerar ideias e perspectivas alternativas
  • Explicação de conceitos: Simplificar e explicar ideias complexas
  • Resumo de informações: Condensar textos longos mantendo os pontos principais
  • Tradução e adaptação: Auxiliar na tradução e adaptação de textos entre idiomas

O Que o ChatGPT Não Pode Fazer

Igualmente importante é reconhecer o que o ChatGPT não pode fazer, devido às limitações fundamentais:

  • Garantir precisão factual: Não pode verificar independentemente a veracidade das informações que gera
  • Realizar pesquisa original: Não pode conduzir experimentos ou gerar conhecimento genuinamente novo
  • Compreender profundamente: Não possui compreensão conceitual genuína dos temas que discute
  • Raciocinar com rigor lógico perfeito: Pode cometer erros lógicos, especialmente em raciocínios complexos
  • Substituir o julgamento humano: Não pode fazer avaliações éticas ou julgamentos de valor fundamentados

Implicações para a Metodologia Acadêmica

Compreender os fundamentos computacionais dos LLMs tem implicações diretas para como integramos essas ferramentas na metodologia acadêmica:

  • Verificação humana: Toda informação gerada por LLMs deve ser verificada por fontes confiáveis
  • Uso como ferramenta complementar: LLMs devem ser utilizados como assistentes, não como substitutos do pensamento crítico
  • Transparência metodológica: O uso de LLMs deve ser documentado e divulgado na metodologia
  • Compreensão das limitações: Pesquisadores devem estar cientes das limitações fundamentais dessas ferramentas

Estas práticas garantem que os LLMs sejam utilizados de maneira ética e eficaz no contexto acadêmico.

Conclusão

Os princípios fundamentais estabelecidos por Alan Turing e Claude Shannon fornecem um arcabouço teórico essencial para compreender as capacidades e limitações dos modelos de linguagem como o ChatGPT. Ao reconhecer que estas ferramentas operam dentro dos limites da computabilidade e da teoria da informação, podemos desenvolver expectativas realistas e estratégias eficazes para sua integração no trabalho acadêmico.

Os LLMs representam um avanço significativo na interface entre humanos e computadores, oferecendo novas possibilidades para a produção acadêmica. No entanto, seu uso eficaz depende da compreensão de suas limitações fundamentais e da manutenção do julgamento humano como elemento central do processo de pesquisa e escrita acadêmica.

Ao navegar neste novo território, os princípios de Turing e Shannon nos lembram que, embora as ferramentas computacionais possam amplificar nossas capacidades intelectuais, elas operam dentro de limites teóricos bem definidos – um fato que deve informar nossas expectativas e práticas no uso acadêmico da inteligência artificial.

Referências Bibliográficas

  • Turing, A. M. (1936). On Computable Numbers, with an Application to the Entscheidungsproblem. Proceedings of the London Mathematical Society, s2-42(1), 230-265.

  • Turing, A. M. (1950). Computing Machinery and Intelligence. Mind, 59(236), 433-460.

  • Shannon, C. E. (1948). A Mathematical Theory of Communication. Bell System Technical Journal, 27(3), 379-423.

  • Vaswani, A., Shazeer, N., Parmar, N., Uszkoreit, J., Jones, L., Gomez, A. N., Kaiser, L., & Polosukhin, I. (2017). Attention Is All You Need. Advances in Neural Information Processing Systems, 30.

  • Brown, T. B., Mann, B., Ryder, N., Subbiah, M., Kaplan, J., Dhariwal, P., Neelakantan, A., Shyam, P., Sastry, G., Askell, A., et al. (2020). Language Models are Few-Shot Learners. Advances in Neural Information Processing Systems, 33, 1877-1901.

  • Mitchell, M. (2021). Why AI is Harder Than We Think. arXiv preprint arXiv:2104.12871.

  • Bender, E. M., Gebru, T., McMillan-Major, A., & Shmitchell, S. (2021). On the Dangers of Stochastic Parrots: Can Language Models Be Too Big? Proceedings of the 2021 ACM Conference on Fairness, Accountability, and Transparency, 610-623.

Sobre o Autor

Prof. Me. Ivan Prizon

Prof. Me. Ivan Prizon

Economista pela Universidade Estadual de Maringá (UEM), Mestre em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutorando em Política de Inovação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ex-pesquisador no Observatório da Indústria na Federação da Indústria do Estado do Paraná, ex-Economista na Secretaria da Fazenda, na Receita Estadual do Paraná. Atualmente é Pesquisador Chefe e Diretor de Novos Negócios na Rede Integrare de Pesquisa e Análise e Estrategista de Marca e Negócios na Agência Integrare. Além disso, desenvolve projetos paralelos de Inteligência Artificial, Metodologia Científica e Inovação, entre eles o Instituto de Criação e Inovação (ICI) que fomenta e desenvolve trabalhos na área de Inovação, IA e Design Thinking.

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